sábado, 31 de dezembro de 2011

"Na semana seguinte já estávamos nus debaixo de sua manta de lã, ouvindo seus discos. 'Se houver prazer, melhor ainda', disse minha avó. 'Mas esse prazer é raro.' Principalmente  rápido, descobri e me abria inteira para fazê-lo feliz porque ele ficava feliz. Queria vê-lo esgotado, queria que seu corpo harmonioso e rijo desabasse amolecido ao lado do meu tão tenso. Com medo de vê-lo me afastar de repente, desativado. Desinteressado. Quando esse medo foi diminuindo, começou a crescer o prazer. Ele notou a mudança, meu gozo não era mais submissão. Agora me entregava com tanto amor que precisava me conter para não cair em pranto, Eu te amo, eu te amo! 'Se gosta de chorar, pode chorar, Aninha. Não fica com vergonha não', seu hálito soprava ao meu ouvido. E montava em mim com o mesmo fervor escaldante que montava em sua motocicleta, tinha uma moto Italiana. 'Quero que faça comigo tudo o que tiver vontade de fazer, chorar, rir, andar no arame, já experimentou andar num arame? Andei num, sabe que é simples'."

Lygia Fagundes Telles. O Espartilho. In: A Estrutura da Bolha de Sabão

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"Ouvindo viver por trás das janelas o mundo e os homens, dos quais se sente excluído, mas não se mata porque um resquício de fé lhe diz que esse sofrimento, essa triste dor terá de ser sorvida até o fim em seu coração e que desse sofrimento é que lhe virá da morte"

Hermann Hesse. In: O Lobo da Estepe.

Comentário: Quando li esse trecho, imediatamente lembre dos seguiste versos de Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos:

"[...]
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo."



Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos. Tabacaria. In: Quando Fui Outros. 


Em ambos os trechos, é notória a  relação de estranhamento da natureza humana, o sentimento de não pertencer a esse ou qualquer outro lugar no mundo, por serem sujeitos que 'descobriram' a realidade e sofrem por não poderem levar a vida na grande marcha dos que caminham com o tempo de olhos fechados.
Em nota do editor, narrador-personagem da primeira parte do livro de Hemann Hesse, acrescenta-se o seguinte:


"Contudo, não sou ele, nem levo sua espécie de vida, mas a minha, uma vida medíocre e burguesa, porém segura e cheia de obrigações"


Tais considerações podem ser vistas como a mudança interna dos leitores, motivadas pelo contato com a leitura de tais autores.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Ouça: 'A maioria dos homens  não quer nada antes que o possa fazer'. Não é engraçado? Naturalmente, não querem nada. Nasceram para andar na terra e não para água. E, naturalmente, não querem pensar: Foram criados para viver e não para pensar! Isto mesmo! E quem pensa, quem faz do pensamento a sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso, mas sem dúvida estará confundindo a terra com a água e um dia morrerá afogado"

Hermann Hesse. In: O Lobo da Estepe

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

"Não é medo nem desejo... é um tumulto interior e desconhecido que parece rasgar meu peito, que me aperta a garganta e me oprime"

Goethe. In: Wertrer
"Com sete anos eu mandava histórias e histórias para a seleção infantil que saía às quintas-feiras num rádio. Nunca foram aceitas. E eu, teimosa, continuava escrevendo.
Aos nove anos escrevi uma peça de teatro de três atos, que coube dentro de quatro folhas de um caderno. E como eu já falava de amor, escondi a peça atrás de uma estante e depois, com medo de que achassem e me revelasse, infelizmente rasguei o texto. Digo infelizmente porque tenho curiosidade do que eu achava de amos aos nove precoces anos"

Clarice Lispector. Vergonha de viver. In: A Descoberta do Mundo. 
"Experimentou sentir ódio, lembrar pessoas, coisas e fatos desagradáveis, apalpar novamente a tessitura sombria do que vivera, a massa espessa de que era feita a mágoa, e todos os desencontros que tinha encontrado, e todos os desamores desilusões desacatos desnaturezas; não, não, já nem ódio queria, que encontrasse ao menos a tênue melancolia, aquele como-estar-debruçado-na-sacada-num-fim-de-tarde, a tristeza, a solidão, a paixão: Qualquer coisa intensa como um grito" 

Caio F. Abreu. Aperion. In: Caio 3D.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Quero revê-la e recordar os dias felizes que se perderam no sonho"


Goethe. In: Werther.
"Mesmo imóvel, pressentia a recuperação de um jeito de sorrir que tivera, fechar os olhos, jogar os cabelos para trás, roer as unhas, caminhar devagar olhando vitrines sem olhar vitrines: Moléculas por moléculas, células por células, recuperava integralmente todo um ser antigo. Como se nunca houvesse saído dele"

Caio F. Abreu. Aperion. In: Caio 3D. 

"Não sei o que em mim atrai todo mundo: São tantos os que a mim se prendem, que chego a aborrecer-me por não dar a todos maiores atenções"

Goethe. In: Werther. 


"Por que é que aquilo que faz a felicidade do homem acaba sendo igualmente a fonte de suas desgraças?"

Goethe. In: Werther.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

"E você dizia coisas tolas como quando o vento bater no trigo te lembrarás da cor dos meus cabelos, você não vai muito além desses príncipes pequenos"

Caio F. Abreu. A quem interessar possa. In: Caio 3D.

"Ai de mim! que vazio horrível sinto em meu peito! Quantas vezes digo a mim mesmo: 'Se você pudesse uma vez, ao menos uma vez, apertá-la contra o coração, esse vazio seria preenchido' "

Goethe. In: Werther.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

"Desde de pequena essa menina 'natural' e forte de uma densa seiva interior, vê crescerem dentro de si a invenção, a clarividência e a curiosidade [...] de uma sensibilidade complexa e um poder expressivo inato que frisa a magia encantatória. Poeta, as coisas vivem para ela logo que recebem nomes e rótulos, e muitas vezes diferentemente de realidade comum. Porque para essa heroína de olhos fixos nos pormenores, nos mais tênues movimentos da vida, não há uma realidade, mas várias; e todo o seu drama nasce da contradição, do antagonismo de seu mundo próprio, cheio de significados específicos, com os mundos alheios, ou mais vulgares ou impenetráveis"

Sérgio Milliet, "Perto do Coração Selvagem", em Diário Crítico (1944), v.II, pp. 28-29.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"Aquela matéria de bondade se reorganizara dentro dele [...] Seria de novo o-que-dá-conselhos, o-que-ampara, o-que-tem-mãos-para-todo-mundo? E seria possível voltar ao estágio anterior, já disperso em inúmeras passagens através de outros e outros estágios? Pois se já experimentara a maldade, a devassidão, a frieza, o cálculo, o vício, o cinismo, a agressão- E esperimentera não como formas de ser, nem como opções. Experimentá-los tinha sido simplesmente ser o que o caminho exigia que se fosse, não desvios, nem atalhos"

Caio Fernando Abreu. Aperion. In: Caio 3D.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"Enquanto ela falava, como eu me deletei em fitar os seus olhos negros! Como toda a minha alma era atraída pelos seus lábios cheios de vida, suas faces frescas e animadas! Quantas vezes, absorvido em minha admiração pelo sentido das suas frases, sequer cheguei a ouvir as palavras de que ela se servia"

Goethe. In: Werther.
"Não há tesouro comparável à paz de espírito! ah! meu caro amigo, se esta alegria não fosse tão fugaz quanto é bela e preciosa"

Goethe. In. Werther.
 "A vida humana não passa de um sonho [...] 
por sua vez, não tem outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência"

Goethe. In. Werther.
"As minhas paixões roçaram sempre pela loucura, e disso não me arrependo, porque só assim cheguei a compreender, numa certa medida, a razão por que, em todos os tempos, sempre foram tratados como ébrios e como loucos os homens extraordinários que realizaram grandes coisas, as coisas que pareciam impossíveis"

Goethe. In: Werther.