sexta-feira, 21 de setembro de 2012


Menina criada sem medo, me ensinaram muito cedo que chorar é uma covardia e, além do ensinamento, havia um soneto de meu avô, dizendo: “porque um soldado não chora/ venham os maltratos embora/ seu peito dilacerar.” [...] Para não ouvi-lo engolíamos lágrimas, nunca chorávamos, nunca choramos; antes da lágrima nascer, nós mesmos começávamos a repetir: “porque um soldado não chora”... (p.32)

Eneida de Moraes. Promessa em Azul e Branco

E se casasse? Seria uma forma de me livrar, mas no lugar da avó, ficaria o marido. Teria estão que me livrar dele. A não ser que o amasse. Mas era muito raro os dois combinarem em tudo, advertia minha avó. Nesse em tudo estava o sexo. “Raríssimas mulheres sentem prazer, filha. O homem, sim. Então a mulher precisa fingir um pouco, o que não tem essa importância que parece. Temos que cumprir nossas tarefas, o resto é supérfluo. Se houver prazer, melhor, mas e se não houver? Ora, ninguém vai morrer por isso”. (p.54)

Lygia Fagundes Telles. O Espartilho. In: A Estrutura da Bolha de Sabão.
"Tão segura eu me sentia sendo simpática, cordial. Fácil a hipocrisia. Tão fácil a vida. Com que naturalidade me empenhava em conquistar as pessoas, fortalecida no meu instinto de fazer sucesso naquela roda fechada. Como era rendoso o cálculo que vinha mascarado de improvisação. [...] Dizer o que as pessoas esperam ouvir, fazer (ou fingir que fazia) o que as pessoas queriam que eu fizesse. Já nem sabia mais quando era sincera ou quando dissimulava, de tal modo me adaptava às conveniências".

Lygia Fagundes Telles. O Espartilho. In: A Estrutura da Bolha de Sabão