quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma esperança

Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.

Houve um grito abafado de um de meus filhos:
- Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
- Ela quase não tem corpo, queixei-me.
- Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
- Ela é burrinha, comentou o menino.
- Sei disso, respondi um pouco trágica.
- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
- Sei, é assim mesmo.
- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
- Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
- Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
- É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
- Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada

#Clarice Lispector

terça-feira, 28 de junho de 2011

"Minha casa dá frente para a rua, e a biblioteca e o jardim dão para o mar. Durmo na biblioteca"

Hilda Hilst
 "Como a casa estava sempre tão vazia, e em havendo tantos livros e bebidas, qualquer um fica bêbado e letrado"

Hilst

"Estou sempre com um copo numa das mãos e um livro na outra"

Hilda Hilst
 

"Eu só aceito a condição de ter você só pra mim
Eu sei, não é assim, mas deixa eu fingir e rir."

#Sentimental_ Los Hermanos

domingo, 26 de junho de 2011




"Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira"


*Lispector



"Não caminharei de 'pensamento a pensamento', mas de atitude a atitude. Seremos Inumanos - como a mais alta conquista do homem. Ser é ser além do humano".(p.176)


Clarice Lispector [In: Paixão Segundo G.H]
"(...) Basta ver que seu destino será aquilo que a carência faz dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em sí próprio uma existência toda redonda."(p.174)


*Clarice Lispector [In: Paixão Segundo G.H]

"Eu posso acreditar que ainda dá pra gente viver numa boa
Os rios da minha aldeia são maiores que os de Fernando Pessoa"

Olhando Belém_ Nilson Chaves

"A despersonalização como a destruição do individual inútil- a perda de tudo o que possa perder e assim, ser. Pouco a pouco tirar de si, com um esforço tão atento que não se sente a dor, tirar de si, como quem se livra da própria pele, as características. Tudo o que me caracteriza é apenas o modo como eu sou mais facilmente visível aos outros e como termino sendo superficialmente reconhecível por mim." (p.178)

Clarice Lispector [In: Paixão segundo G.H]


"Ele era triste e alto. Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição. E por isso, dizia, alisando os cabelos negros como quem alisa o pêlo macio e quente de um gatinho, por isso é que sua vida se resumia num monte de cacos: uns brilhantes, outros baços, uns alegres, outros como um 'pedaço de hora perdida', sem significação, uns vermelhos e completos, outros brancos, mas já espedaçados..."

Clarice Lispector [In: Trecho do conto História Interrompida]

sexta-feira, 24 de junho de 2011


"Há sonhos que devem ser ressonhados, projetos que não podem ser esquecidos"

*Hilda Hilst

"Bem, o cara tem que ser morto por aquela mulher, e eu não sei como as mulheres matam. eu acho que elas sempre preferem o veneno"

#Hilst

quinta-feira, 23 de junho de 2011


Foi quando a Bela virou-se para mim e começou a passar as unhas pela barriga me causando uma friagem e umas cócegas e pegou desta vez com uma delicadeza que até me espantou, o meu negócio inchadíssimo, parecendo que tinha sido picado por um enxame de cabas. Ela olhava para ele de muito perto, virava e revirava o cartuchinho de carne, um picolé quente, que não derretia. Percebi indecisão na Bela. E então falou a única palavra naquela noite, uma palavra só, palavra de três letras, que eu morro e não esqueço essa palavra:

“Vem!”

Ora, a Bela tinha cada uma! "Vem." Ir aonde se eu estava ali? Ela falou "vem" muito, muito delicadamente, me puxou e eu tudo deixava, deixei, fui deixando, a Bela pelo visto sabia muito bem o que estava querendo. “Vem." Ela me guiou que eu não sabia nem a décima parte da missa, às vezes se .impacientava com a minha santa burrice e para a Bela deve ter sido um trabalho dos seiscentos, mas ela insistia e insistia, acabou me botando de bruços por cima dela. Aí abriu as pernas e eu fiquei feito um bobo naquele espação sem saber o que fazer. A Bela fez tudo, tudo.

#Haroldo Maranhão

"Diga que você me quer
Porque eu te quero também!"

#Nando Reis


"Eu te espero, vem?
Siga onde vão meus pés
Porque eu te sigo também.
E eu te amo!
E eu berro: Vem!
Grita que você me quer
Que eu grito também!"


#Nando Reis

"Para mim prima é mesmo que irmã, a gente respeita, mas Bela, sei lá!...Desde menino que durmo pouco, a Bela estava careca de saber e quando menos espero quem é vejo diante de mim? A Bela.Só para provocar como me provocou, que logo fiquei agitadíssimo, e a Bela feita uma estátua, nem uma palavra dizia, à espera eu acho de atitude minha, mas cadê coragem?"

Haroldo Maranhão

"A Bela tinha prática, um fogo tremendo. E começou a maior das confusões, que nem sabia o que era minha perna e perna da Bela, as mãos da Bela me amassando"

#Haroldo Maranhão

"Pinta os lábios para escrever
A sua boca em minha?"

*Nando Reis

"Tenho mesmo mau sangue e procedo de ascendentes boêmios" 

* Haroldo Maranhão
"Na minha boca agora mora o teu nome, é a vista que os meus olhos querem ter sem precisar procurar,nem descansar e adormecer..."

*Nando Reis
"Eu só queria me casar com alguém igual a você, e alguém igual não há de ter, então quero mudar de lugar, eu quero estar no lugar da sala pra te receber, na cor do esmalte que você vai escolher,só para as unhas pintar..."

‎"Se eu fingir e sair por aí na noitada me acabando de rir, se eu disser que não ligo e só vou aprontar...Se eu sumir dos lugares dos bares, esquinas e ninguém me encontrar,e se me virem sambando até de madrugada e você for até lá...É que eu sambo direitinho assim bem miudinho, cê não sabe acompanhar...Vou arrancar sua saia e por no meu cabide só prá pendurar, quero ver se você tem atitude se vai encarar..."

domingo, 5 de junho de 2011

Apaixonando-me por ela...


Ele era a minha juventude, ele e seu saxofone que luzia como ouro. Seus sapatos eram sujos, a camisa despencada, a cabeleira um ninho, mas o saxofone estava sempre meticulosamente limpo. Tinha também mania com os dentes, que eram de uma brancura que nunca vi igual, quando ele ria eu parava de rir para ficar olhando. Trazia a escova de dentes no bolso e mais fralda para limpar o saxofone, achou num táxi uma caixa com uma dúzia de fraldas Johnson e desde então passou a usa-las para todos os fins: era lenço, a toalha de rosto, o guardanapo, a toalha de mesa e o pano de limpar o saxofone. Foi também a bandeira de paz que usou na nossa briga mais séria, quando quis que tivéssemos um filho. Tinha paixão por tanta coisa...


*Lygia Fagundes Telles

quarta-feira, 1 de junho de 2011


"Anda. Enquanto o dia acorda a gente ama, tô pronto pra te ouvir aqui na cama,te espero vamos rir de todo mundo, nesse quarto tão profundo. Para. Repara, tente ver a tua cara, contemple esse momento é coisa rara, uma emoção assim só se compara à tudo que nós já passamos juntos, nesse quarto em um segundo...Preciso tanto aproveitar você, olhar teus olhos, beijar tua boca e ouvir palavras de um futuro bom..."