sexta-feira, 23 de novembro de 2012





Uma vez uma mulher me disse: vocês jovens não sabem a força que têm. 

        Ela falava isto como se colocasse uma coroa de louros num herói. Ela falava isto como se não apenas eu, mas todos os jovens fôssemos um grego olímpico ou um daqueles índios parrudões nos rituais da reserva do Xingu. 
        De certa maneira ela dizia: vocês têm o cetro na mão. E eu, jovem, tendo o cetro, não o via. 
        Aquela frase lançada generosamente sobre minha juventude poderia ter se perdido como tantas outras que necessito hoje, mas não me lembro. Contudo  ela ficou invisível em alguma dobra de lembrança. Ficou bela e adormecida muitos séculos, encastelada, até que, de repente, despertou e me veio surpreender noutro ponto de minha trajetória. 
        Possivelmente a frase ficou oculta esperando-me amadurecer para ela. Só uma pessoa não-mais-jovem pode repronunciá-la com a tensão que ela exige. 
        Vocês jovens não sabem a força que têm. 
        Pois essa frase deu para martelar em minha cabeça a toda hora que uma adolescente passa com sua floresta de cabelo em minha tarde, toda vez que um rapaz de ombros largos e trezentos dentes na boca sorri com estardalhaço gesticulando nas vitrinas das esquinas. 
        Possivelmente é uma frase ainda mais luminosa no verão. 
        E mais irradiantemente bela ainda quando o termina e principia e tudo recobra força e viço, e a pele do mundo fica eternamente jovem. 
        Outro dia a frase irrompeu silenciosamente em mim como coroamento de uma cena. Um cena, no entanto, trivial. 
        Estávamos ali na sala de um apartamento e conversávamos. Um grupo, digamos, de pessoas maduras. Cada negócios e banalidades. De repente entra pela sala uma adolescente: pedindo à mãe que veja qualquer coisa em seu vestido ou lhe emprete uma jóia. E quando ela entrou tão naturalmente linda, não de beleza excepcional, mas de uma beleza que se espera que uma jovem tenha, quando ela entrou, um a um, todos foram murchando suas frases para ficarem em pura contemplação. 
        Ali era disfarçar e contemplar. Parar e haurir. 
        Poderia-se argumentar que vestida assim ela parecia uma Grace Kelly, um cisne solicitando adoração. Mas se assim é, por que a mesma cena se repetiu quando entrou outra irmã, impromptamente, de jeans, vinda da rua, espalhando brilho nos dentes e vida nos cabelos? 
        Olhava-se para uma, olhava-se para outra. Olhava-se para os pais que orgulhosos colhiam a mensagem no ar. E surge a terceira filha, também adolescente com aquela roupa displicente que, em vez de ocultar, revela mais ainda juventude. 
        Esta experiência se repete quando numa família são apresentados os filhos jovens. Igualmente quando se entra numa universidade e se vê aquele enxame de camisetas, jeans e tênis gesticulando e rindo entre uma sala e outra, entre um sanduíche e um livro, sentados, displicentes, namorando sob árvores e na grama, como se dissessem: eu tenho a juventude, o saber vem por acréscimo. 

        Infelizmente não vem. E a juventude se gasta. Como as pedras se gastam, como as roupas se gastam, se gasta a pele, embora a alma se torne mais densa ou encorpada. 
        Algo semelhante ocorre diante de qualquer criança. Para um bebê convergem todas as atenções na sala. Sorrisos se desenham nos rostos adultos e o ambiente é de terna devoção. É a presença da vida, que no jovem parece ter atingido seu auge. 
        Por isto, ver um (ou uma) jovem no esplendor da idade é como ver o artista no instante de seu salto mais brilhante e perigoso ou ver a flor na hora em que potencializa toda a sua vida e imediatamente nunca mais será a mesma. 
        Claro, há jovens que são foscos e velhos e velhos que são radiosos adolescentes. Não é disto que falo. 
        Estou falando de outra coisa desde o princípio. Daquela frase que aquela mulher depositou na minha juventude e agora renasceu. 
        Gostaria de doá-la a alguém. Penso nisto e a porta se abre. Irrompem, lindas, minhas duas filhas. Extasiado lhes dou um beijo e digo: 
        - Filhas, vocês não sabem que força têm. 


Affonso Romano de Sant'Anna. Quando se é jovem e forte.