terça-feira, 3 de janeiro de 2012

"Chovia. Fiquei no alto da escadaria da igreja, olhando a rua. Foi então que Rodrigo veio me oferecer um guarda-chuva. Você estava na missa? Perguntei e ele riu e não respondeu. Em romances e no cinema eu já tinha visto demais a fórmula fácil de dizer, Que extraordinário! Tenho a impressão de que já nos conhecemos há um tempo.
Não tive a impressão, tive a certeza: ele apareceu de repente e me ofereceu o guarda-chuva. Deixei-me levar com a mesma naturalidade com que foi conduzindo. [...] Sua mão segurava meu braço com algum desprendimento, permitindo que me desvencilhasse se quisesse. Não quis. Fiquei completamente perturbada quando o encarei mais de perto e tive uma outra certeza, a de que seríamos amantes.
Ainda uma vez, perguntei-lhe, mas se não estava na missa, onde estava? Ele rio o riso contagiante, 'Você faz perguntas como um detetive'. Vestia um elegante impermeável preto mas o guarda-chuva era velhíssimo, da pior qualidade. Entramos num café 'Vou fazer  seu  retrato assim mesmo como está, de pulôver vermelho e meio vesguinha, você é meio vesguinha', disse e pediu um conhaque. [...] Era pintor mas a sua verdadeira paixão era o Jazz."

Lygia Fagundes Telles. O Espartilho. In: A Estrutura da Bolha de Sabão.

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